Continuando nosso assunto sobre filosofia cristã, vou avançar um pouco no tempo e me reportar ao século XI e discorrer sobre a Escolástica e a prova da existência de Deus.
A palavra Escolástica é devido à formação dos ensinos religiosos ocorrerem em escolas. É nesse período também surgem às primeiras universidades.
Assim como na Patrística, na Escolástica vai existir a preocupação com a questão da conciliação entre fé e a razão, mas outros pontos diferentes também são debatidos como um aprofundamento da teologia e demonstração racional da existência de Deus criador.
O auge da escolástica foi na segunda metade do século XII chegam às universidades as traduções hispânicas de versões árabes das obras de Aristóteles. É o grande choque cultural que muda o rumo do Ocidente e que catapulta a Escolástica para a sua "era de ouro" no século XIII, quando Agostinho deixa de ser o eixo do pensamento cristão, e a filosofia natural aristotélica se agiganta diante da teologia.
Para a Escolástica, algumas fontes eram fundamentais no aprofundamento das reflexões, por exemplo, os filósofos antigos, as Sagradas Escrituras, os Padres da Igreja, autores dos primeiros séculos cristãos que tinham sobre si a autoridade de fé e de santidade. Utilizando essas fontes criou-se o princípio da autoridade, esse princípio era utilizado para dizer se uma tese era verdadeira ou falsa. As teses eram analisadas e não poderiam contrariar essas fontes fundamentais para o cristianismo.
Santo Anselmo e a prova da existência de Deus
“O ser do qual não se pode pensar nada maior existe, sem dúvida, na inteligência e na realidade”
Anselmo nasceu na Itália no ano de 1033 e faleceu em 1109, segue uma vida religiosa e é considerado um dos iniciados da Escolástica. Buscou a razão para servir de fundamento da fé.
Desenvolveu uma teoria para provar a existência de Deus, na qual será retomada na Filosofia Moderna por René Descartes.
Utilizando o conceito de Perfeição, Anselmo defende que Deus é concebido como Aquele acima do qual nada maior pode ser pensado, inevitavelmente leva-nos a afirmação de sua existência. A perfeição seria uma escala máxima que obrigatoriamente tem que existir para se medir coisas inferiores. Exemplo o ser humano é imperfeito, mas para ele ser imperfeito temos a compreensão que o perfeito existe, sendo assim esse perfeito é Deus que obrigatoriamente tem que existe.
Outra argumentação começa do ponto intelectual, isto é, no campo do pensamento. Anselmo alega, um ser do qual não se pode pensar nada maior não poderia existir somente no pensamento de cada homem, caso contrario, poderia pensar algo maior que existisse também na realidade, sendo assim, um ser do qual não se pode pensar nada maior obrigatoriamente existe.
São Tomás de Aquino
Outro importante filosofo da Escolástica foi Tomás de Aquino. Nasceu, na Itália (1225-1274), dedicou sua vida à religião e a educação. Estudou em Nápoles, Paris e Colônia (atual Alemanha), e lecionou entre outras na Universidade de Paris, em que se tornou doutor em teologia.
Autor de diversas obras teológicas e, também, de comentários a livros bíblicos. Sua obra mais conhecida é a Suma teológica, na qual apresenta conceitos aristotélicos para comprovar a existência de Deus.
Assim como Agostinho (cristianizou Platão), Tomás de Aquino vai utilizar um filosofo antigo para desenvolver sua filosofia, ele vai sacralizar Aristóteles. No entanto, ambos se opõem no modo de ver o mundo.
Agostinho entende que é necessário “crer, para entender” e para Tomas de Aquino é necessário “entender, para crer”.
Uma das questões enfrentada por Tomás de Aquino foi a relação entre fé e razão. Esforçou-se para demonstrar que a fé e a razão não se opõem, pois ambas derivam de Deus; assim sendo, não haveriam verdades discordantes entre esses dois níveis. Elas são distintas, mas integradas. A partir desse entendimento, colocou-se a filosofia, como pensamento racional, a serviço da teologia, que é uma forma de pensar a fé. Para Aquino, a filosofia deve oferecer uma compreensão racional das experiências da fé, de tal forma que a fé não pareça ser irracional. Caso haja uma discordância entre um argumento da teologia e um argumento da filosofia, esta ultima deve rever sua argumentação, pois a razão não pode contestar um argumento da fé, que é mais elevado que a razão, caso isso ocorra a filosofia deve rever suas premissas, pois em algum momento deve haver um erro.
A fé vem para complementar a razão, pois algumas verdades não têm com ser alcançadas pela razão, somente são possíveis com a revelação divina.
“O homem deve conhecer o fim o qual deve ordenar as suas intenções e ações. Por isso se tornou necessário, para a salvação dos homens, que lhes fossem dadas a conhecer, por revelação divina, determinadas verdades que ultrapassam a razão humana.”
Existência de Deus
Aquino vai utilizar Aristóteles para provar a existência de Deus:
Cinco vias para demonstração da existência de Deus.
1º via - Ato e Potência
A primeira via de argumentação baseia-se no argumento do movimento. O movimento se caracteriza pela passagem de “potência” para “ato”. Somente o que existe em “ato” (o que é nesse exato momento) seja algo que possa ser “potência” (o que pode vir a se tornar). Todas as coisas que são movidas são movidas por outra. No entanto, existe algo que iniciou esse movimento e que não teve origem alguma, esse Ser é Deus.
Para toda “potência” existe um “ato” anterior.
Ex: Uma árvore para ser árvore (potência) anteriormente precisou ser semente (ato).
Nada pode ser “ato” e “potência” ao mesmo tempo, logo existe um “ato” que originou toda “potência”.
A esse primeiro “ato” chamamos de Deus.
2º via – Causa eficiente - o que fez com que determinada substancia tornou-se o que é hoje.
Nada pode ser causa eficiente de si próprio, pois seria anterior a si próprio, seria causa e efeito ao mesmo tempo, seria anterior e posterior ao mesmo tempo o que seria absurdo. Sendo assim toda causa deve ter sido provocada por outra e essa outra por uma terceira e assim sucessivamente. No entanto, não é possível a regressão até o infinito, logo existe uma causa que não foi causada por nada, ai está Deus.
3º via – Necessidade (o que é invariável) e contingência (quando o oposto de determinada coisa é possível).
Constatamos a existência da contingência na natureza, mas nem todas as coisas podem ser contingência, pois dessa forma não poderia existir coisa alguma. Sendo assim, existe um ser necessário a tudo, esse ser é Deus.
4º via – Toma como ponto de partida a hierarquia das coisas (o grau que se encontram as coisa – mais ou menos)
Considerada como algo originária do platonismo.
Todas as coisas têm um predicado, isto é, um grau comparativo (mais ou menos). Quanto à perfeição, o máximo de perfeição possível é Deus.
5º via – Causa final (referente a finalidade das coisas).
Tudo no Universo tem uma finalidade, isto é, nada é movido pelo acaso. Sendo assim tudo findaria para uma primeira finalidade, e essa é Deus.